quinta-feira, 26 de junho de 2014

Espólio Sangrento III

A chegada!

Instinto

Alguns dias já haviam se passado desde a chegada do jovem Vlad III. Infelizmente as coisas eram piores do que o pequeno Vlad poderia imaginar. Não estava hospedado em quartos limpos e iluminados, não havia refeição a todo o momento, mesas cobertas por frutas e doces aromas. Vlad fora jogado na escuridão e no total esquecimento. As atitudes frias e calculistas do garoto aos poucos foram deixando seus guardas com medo e toda vez que havia troca de plantão, os guardas hesitavam em escoltar o pequeno garoto por todo canto. 

Quando chegaram foram hospedados em um quarto de criado. Um lugar um pouco sujo e sem luz, mas ainda sim no palácio real. Contudo as historias de como o Vlad havia lutado sem medo contra os Cannibais das montanhas fizera com que os guardas ficassem mais atentos com aquela criança. Eles não estariam apenas olhando uma criança, mas uma pessoa capaz de matar sem piedade. Um simples descuido e talvez, caso Vlad tivesse a intenção, eles sabiam que seriam envolvidos pelos braços frios da morte. 
As coisas pioraram quando Vlad passou a perder a vontade de sair de seu quarto e não deixava ninguém entrar lá. Ameaçando aqueles que tentavam em sua presença e deixando claro que se descobrisse a invasão de alguém enquanto ele estivesse fora: Iria descobrir o ousado e matá-lo. 

Como fazia todo dia. Vlad era levado para o enorme pátio do palácio com seu irmão Radu. Todo dia por voltas das dezessete horas, podia ficar no enorme pátio observando a mudança do céu. Ver o sol soberano, cair para dar lugar á lua e deixar a escuridão tomar conta de tudo. Gostava de ver a mudança, mas gostava ainda mais da escuridão, do ar frio da noite. Toda às vezes levava consigo uma sacode pano marrom.

- Vlad, o que você leva nessas sacolas? – Perguntou Radu enquanto mexia em seus cabelos curtos e escuros.

- Nada de importante. E você? Por que mexem tantos nesses cabelos, isso me irrita! – Disse o pequeno Vlad, mantendo os olhos fixos em um canto escuro do pátio.

- Tenho que me manter limpo e arrumado irmão. O cabelo faz muita diferença na aparência de uma pessoa.  – Respondeu o irmão mais novo, um tanto que ingênuo. 

- Deixe que as mulheres se preocupem com isso! Você não é uma mulher? É? – Continuou Vlad, mantendo um tom de sarcasmo em sua voz.

- Claro que não irmão! – Calou-se por alguns instantes e depois continuou. – Eu acho que não...

- Eu deveria matá-lo por ouvir isso! – Indagou o mais velho, mantendo o olhar fixo no pequeno cômodo abandonado há mais de 50 metros de distância.  Radu oscilou quando ouviu as palavras do irmão. Até o irmão mais novo de Vlad temia a sua companhia às vezes.

- Fique aqui! Não saia! – Ordenou o mais velho, se levantando e andando em direção do âmbito obscuro. Vlad Tepes III trajava uma calça de pano encardida e uma blusa de manga comprida amarela (que um dia fora branco). Enquanto caminhava até o pequeno quarto parou por alguns segundos e olhou para trás. Queria ter certeza se ninguém além do seu irmão o vigiava. Os olhos escuros vasculharam todos os cantos do enorme pátio. O local era cercado por enormes muros de pedra. A alguns metros atrás de seu irmão estava à porta de madeira que dava para o palácio real. O palácio tinha um tom branco e era enorme. No seu nível superior em ambos os lados, havia torres de guardas onde os soldados mais leais do Sultão ficavam todos os dias, protegendo a retaguarda do palácio e atentos a qualquer invasão.

Os orbes atentos fixaram-se nas janelas de marfim, uma por uma e teve certeza que ninguém o observava. Voltou a se virar e um sorriso de satisfação cresceu em seus lábios. Terei grandes problemas quando descobrirem. Mas não me importo. Eu preciso disso. Caso contrário, irei ficar louco. Estou chegando meus amigos. Estou chegando. Pensou, adentrando na escuridão e sumindo da vista de seu irmão.
Não passou mais de vinte minutos e Vlad voltou. Não tinha um sorriso no rosto, não gargalhava alto para todos ouvirem. Mas Radu podia ver o olhar de satisfação do seu irmão. Como se todos seus problemas tivessem sidos resolvidos e agora eles poderiam ir para o baile de família, felizes. 

- O que você vai fazer lá? – Perguntou Radu um tanto que curioso.

-Não é do seu interesse. Já disse! – Respondeu Vlad mais austero que as outras vezes, talvez já estivéssemos prestes a perder a paciência com seu irmão.
Radu observou o Semblante feliz do irmão, e não entendia o motivo. Na verdade não conseguia entender nada de seu irmão do meio: Seus gostos, seus desejos, sua mente. Para Radu, a maioria das vezes seu irmão não passava de um estranho. Decidiu esquecer-se do assunto, mas os olhos moveram-se até a sacola de pano e percebeu que algo se movia dentro dela, não só uma coisa: mas algo com várias patinhas. – Irmão, tem algo vivo ai! – Disse Radu assustado.

- Esquece essa sacola Radu! Esqueça caso contrário... ¬-Hesitou em falar e ficou contente em apenas pensar. Caso contrário será com você que vou brincar. – Caso contrário vai se arrepender mano, quanto menos você souber melhor, para com isso! – Terminou Vlad, passando por seu irmão e caminhando em direção à entrada dos fundos do palácio.

Radu sentiu todo seu corpo estremecer. Mas... Por que você é assim? ¬Radu não ousou perguntar, apenas pensou. E em seguida seguiu seu irmão que agora estava parado em frente à porta.

- Nem sempre a beleza está na luz meu irmão. Às vezes a escuridão pode guardar o mais belo, sabia? – Perguntou Vlad, abrindo a porta e dando espaço para Radu passar primeiro.

- Não entendo você, não entendo. – Murmurou o mais novo, passando por ele, mantendo um olhar baixo. Que bom. Você não imagina como isso é bom Radu. Pensou o pequeno Vlad, deixando de olhar a lua subir aos céus e adentrando no palácio.
O corredor era silencioso e bem iluminado. Por todos os cantos havia tochas incandescentes, deixando o lugar bem confortável. O ar parecia meio úmido e o chão era coberto por um enorme tapete vermelho. As paredes eram dotadas de grandes quadros, com certeza os antigos ancestrais do Sultão. No fim do corredor havia uma curva a direita e em seguida, eles estariam em seus quartos. 

- Quando chegar lá vai se trancar de novo no outro cômodo, não é? – Perguntou Radu, já sabendo a resposta do irmão.

- Quando você atingir certa idade irá descobrir que homens precisam fazer algumas coisas sozinhas. Meu irmão. – Vlad pousou a palma da mão direita sobre o ombro do irmão e juntos viraram o corredor.
Isso não ta certo! Que merda eles tão fazendo ai? Cogitou o pequeno Vlad enquanto se aproximava do seu quarto e vira dois soldados na porta.

- Não pense em correr Vlad Tepes III! – Gritou o primeiro soldado quando viu o pequeno se aproximando.

- Me tragam eles aqui, agora! – Vlad e Radu puderem ouvir a foz de fúria do Sultão vindo de dentro do quarto. Radu parou, mas Vlad segurou o braço do irmão e continuou andando, puxando-o.
Naquele momento Vlad descobriu que era mais difícil do que imaginava esconder uma mentira dentro da casa do inimigo. Desde a passagem com os Cannibais havia pegado o gosto por certa atitude. Tal gosto nunca poderia chegar até os ouvidos do Sultão. Pensou, pensou, achou que iria conseguir esconder isso de todos, mas a imagem que sem querer fez de si mesmo o perseguiu, fazendo com que o Sultão invadisse seu quarto quando não estivesse ninguém.

Vlad segurando seu irmão pelo braço caminhou até o quarto, passou pelos guardas e adentrou o cômodo. Lá estava o gordo Sultão sentado na cama e na frente dele, no chão: havia treze ratos mortos. Vlad deixou um dos lábios erguerem-se em um sorriso, como se quisesse falar. Descobriu meu segredo? Haha foda-se.
Os ratos estavam totalmente mutilados. Pernas, braços, orelhas e seus rabos não se encontravam lá. O cheiro era horrível, a podridão havia tomado conta do quarto.

- Se transformou em um doente pequeno Vlad? – Perguntou o Sultão, mantendo um olhar sério e frio para o garoto.

- Doente? Não vejo isso como uma doença? – Respondeu Vlad, sem temer ou mostrar algum tipo de arrependimento.

- Por que fez isso com essas criaturas?
Vlad não conteve sua expressão e deixou um grande sorriso sádico no rosto. Olhou para trás e fitou os dois guardas.

- Infelizmente não posso fazer isso com aqueles dois lá trás, certo? – Indagou o garoto e os soldados recuaram, com certeza sentindo-se intimidados.

- Não brinque com a sorte garoto, eu posso matá-lo aqui. – Disse o Sultão, sabendo que de certa forma aquilo não era verdade. Casso fizesse com certeza o Vlad Tepes Dracul iria se juntar á Hungria e novamente uma nova guerra iria começar.

- Não, não pode! – Disse o pequeno Vlad. E o Sultão surpreendeu-se. Esse pequeno desgraçado sabe ler mentes? Pensou Mehmed II.

- Se fizer isso meu pai não terá mais motivos para ser fiel a ti! 
O silencio reinou por alguns segundos. E ambos trocaram olhares. Olhares frios e calculistas. Mehmed pensava o que iria fazer com o garoto e Vlad como mudar a situação. Radu, no entanto permanecia inerte, com medo é claro.

- Peguem esse merda e os levem para junto dos escravos. – Vociferou o Sultão e Vlad olhou para trás, fitando os guardas.

- Peguem esse merda! Agora! – O grito do Sultão fez os soldados oscilarem e rapidamente caminharam-se atrás do garoto. Vlad em uma rápida atitude de reflexo jogou o pano contra os soldados. No ar, o saco se abriu e quatro camundongos voaram contra os soldados. Os soldados recuaram assustados não por medo. Isso deu tempo o suficiente para Vlad correr até o outro cômodo e se jogar contra a banheira. Na parte inferior do chão havia um pequeno buraco, Vlad esticou a mão e seus dedos entrelaçaram-se em algo frio e solido. Segundos depois seus pés foram puxados. A mão fechou-se contra o objeto e guardou o mesmo na calça. Quando pensou em se virar algo bateu em sua nuca, fazendo-o perder a consciência. 

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