O4: Novo lar
A lágrima da morte.
- Todos
esses dias que está aqui garoto – O velho negro de corpo esquio respirou e
depois voltou a falar. – Nunca me disse por que está aqui.
O pequeno
Vlad estava sentado ao lado do Velho, as costas apoiadas às paredes e as pernas
dobradas.
- Acha que
isso importa? Velho? – Perguntou Vlad, virando a cabeça para o senhor. Fixou os
olhos nos olhos cegos do velho e imaginou que aconteceria o mesmo consigo
quando chegasse a sua hora velhice.
- Você fica
sentado ao meu lado todo dia e noite. Ficamos conversamos. Acredito que somos
amigos, são somos? – Os olhos agora de Vlad percorreram por toda extensão do
lugar. Era uma espécie de pátio gigante no subsolo do castelo. Todo o lugar era
coberto por paredes e tetos. Às vezes, Vlad achava que aquele teto era o mesmo
solo que sustentava todo o castelo. O local era iluminado por dezenas de tochas
que ficavam fixas a paredes. Centenas de escravos, rebeldes e prisioneiros ficavam
ali, jogados e sendo obrigados a brigarem por um pedaço de pão. Às vezes se
matavam por uma taça de vinho.
- Amigos?
Não acha que é uma palavra muito forte velho? – Ao perguntar, Vlad refletiu
conseguiu mesmo. O que significaria a palavra amigo? Seu próprio pai o tinha
vendido para o bem de sua família. Havia sacrificado seu filho para o bem estar
de todos os outros. Seu próprio pai, seu sangue havia lhe abandonado. Então o
que seria um amigo?
- Se é um
garoto que não confia em ninguém. Realmente deve ser bem difícil ter um amigo.
– Disse o velho. Naquele momento dois prisioneiros brancos passaram correndo na
frente deles indo em direção de outro. Este que estava na frente segurava um
pedaço de pão. Mas antes que pudessem pegá-lo ele já tinha comido todo o pão.
Vlad deixou
um longo suspiro fugir dos lábios finos e vermelhos. Assim que chegou ali,
pensou que seria comido por aqueles homens. Aos poucos foi observando todo o
local. Era difícil saber onde ficar, onde ficaria mais protegido ou mais fácil
de chamar atenção. Não demorou muito e viu o velho no canto do pátio cinza,
sozinho e esquecido. Sentou-se ao lado dele e com o tempo foram conversando.
Muitas vezes os prisioneiros mais velhos o ameaçaram, mas o respeito por aquele
velho fizera com que eles se afastassem e desistissem dessa ideia. O velho
IIKIN não tinha o porquê proteger o garoto, mas o fizera.
- Sou uma
espécie de convidado do Sultão. – Murmurou o garoto.
- Grandes
senhores não deixam seus convidados jogados com os escravos. – Respondeu o
velho no mesmo momento.
- Meu pai
me deu ao Sultão para mostrar sua fidelidade. – Vlad respirou forte, com raiva
da sua própria família. Suas roupas fediam de mais. Fez uma careta e continuou.
– Mas eu fiz al.. Algumas coisas que não agradaram Mehmed II.
- Que tipo
de coisas?
- Coisas
que ele não se importaria se eu fizesse com esses escravos. Por isso me jogou
aqui.
O velho
cego virou a cabeça para Vlad. Por que virar a cabeça seu velho? Não
pode me ver.
- Que tipo de coisas meu jovem? – Vlad observou o rosto do
velho IIKIN. Tinha lábios grossos, pele enrugada e um nariz pequeno. Os olhos
cegos davam um toque sobrenatural naquele semblante.
- Matei
alguns animais. Não apenas matei, tirei suas patas, rabos. Eu gosto disso. Acho
que ele ficou com medo de eu fazer isso com seus soldados.
O velho deu
uma gargalhada que assustou Vlad. Com um largo sorriso no rosto ele respondeu.
- Seria bom
se fizesse! Eu ficaria feliz por isso, garoto.
~~
- Alguma
novidade sobre o pequeno Vlad? – Indagou o gordo Sultão sentado em sua poltrona
no seu quarto. Usava apenas um longo manto de seda negra. O soldado a sua
frente ajoelhou-se e pôs se a responder.
- Até agora
não deu nenhuma problema Vossa Graça. – Respondeu o soldado de pele branca,
barbas e cabelos ralos castanhos. Este tinha um rosto bonito, lábios e
nariz pequeno, contudo seu corpo era robusto.
- Talvez
assim ele aprenda seu lugar. Ficar alguns dias com os escravos será bom para
ele. – Respondeu o Sultão que em seguida abriu um pouco as pernas e colocou a
mão por dentro do manto escuro. – E o garoto Radu?
- Irei
trazê-lo assim que o senhor ordenar! – Respondeu o soldado.
Mehmed II
deixou um sorriso malicioso nos lábios. Era realmente uma carranca gorda e
feia. Olhou para a cama do quarto. Um grande colchão coberto por uma seda
vermelha. - Traga-me aquele bostinha! Ele irá gostar de cavalgar um pouco! – O
sultão mexeu a mão por dentro do manto escuro e o soldado virou o rosto.
- Ouse
falar isso para a minha senhora, Asker. Que irá perder as bolas! – o Sultão
ameaçou o soltando, fitando-o. – Vamos, traga aquele bostinha pra mim!
~~
- Tenho
algo para lhe perguntar, Velho IIKIN! – Disse o pequeno Vlad levando a mão até
o seu bolso. Segurou a pedra em formato de gota e tirou de seu bolso. – Sei que
não pode mais ver. Mas quero saber se consegue reconhecer isto com o toque.
- Sim. Deus
foi cruel comigo em minha velhice. Tirou aquilo que eu mais apreciava. Nunca
mais poderei ver uma mulher de pernas abertas! – Respondeu o velho abrindo a
mão.
- Mas ainda
poderá sentir seu corpo, isso não é bom? – Continuou o garoto deixando a pedra
cair na mão do velho. Rapidamente ela se fechou. A outra mão foi de encontro a
o objeto e as pontas dos dedos os seguraram.
- Onde
encontrou isso? Garoto? – Perguntou o velho IIkin se esquecendo das mulheres.
As pontas dos dedos deslizavam sobre a estrutura, sentindo as runas esculpidas.
- Peguei
depois de matar um Cannibal da montanha.
O velho
virou a cabeça novamente para o garoto. Esse moleque matou um Cannibal
da Montanha?
- Você matou um Cannibal da Montanha garoto? Não pense que sou tolo
de acreditar nisso! – O tom do velho foi um tanto que austero. Podia ser velho
e cego, mas Vlad percebeu que não gostava de ser feito de idiota. Mas não
estava. Tinha matado dois Cannibais da montanha.
- Sim,
matei dois, não apenas um. – Respondeu com orgulho de si mesmo. Os Cannibais
das montanhas eram conhecidos pelos Turcos por seu modo selvagem de lutar. Não
tinham honra, se tivessem a oportunidade iriam arrancar um pedaço de carne do
seu rosto caso pudesse deixar a boca perto o suficiente dele. Vlad explicou que
em sua antiga morada, teve um tutor de armas mesmo sendo uma criança e o velho
pareceu aceitar melhor a ideia.
- Não
importa.. Infelizmente não posso olhar, mas se esta relíquia for o que estou
pensando. Isto é a Lágrima da Morte!
O nome fez
Vlad sentir um arrepio percorrer sua espinha. Lagrima da Morte. Não
eram todos os dias que ouvia um nome tão macabro.
- Diz a
lenda. – Continuou o velho Ikkin – Que este objeto foi feito por um grande
bruxo após conseguir capturar e torturar a morte. Qualquer um que carregue essa
relíquia terá grandes poderes místicos. Contudo a morte irá persegui-lo para
puni-lo. Essa relíquia é uma vergonha para ela!
- Eu
perseguir o Cannibal até ele parar de fugir. - Disse meio que para si mesmo,
refletindo sobre a situação. – Mas... como que esse grande bruxo conseguiu
capturar a morte? – Perguntou pequeno Vlad. E pela primeira vez IIkin viu que
ele realmente era uma criança.
- É tão
idiota ao ponto de acreditar nessa historia? – O velho procurou a mão do garoto
e entregou o objeto. – De qualquer forma, tome e fique com isso. Agora me vai
dizer que tem o livro da Canção dos Não-Mortos também?
- Canção
dos Não-Mortos? – Perguntou pequeno Vlad, se interessando mais ainda no
assunto.
- Não tem
nenhum livro consigo certo? Hm.. Dizem que é o único livro escrito por aqueles
que não estão mortos, mas também não estão vivos. Eu me lembro de outra lenda.
Diziam que neste livro tinha uma magia. – O velho ficou em silencioso, talvez
pensando no que seria melhor falar. – Uma maldição na verdade. Essa maldição
transformava a pessoa em um Não-Morto. Mas um dos requisitos era a Lágrima Da
Morte. – A voz do velho era baixa e sinistra. Não parecia acreditar no que dizia,
mas mesmo assim temia.
- O que são
esses Não-Mortos? – Perguntou o garoto curioso.
- Demônios
das trevas. Criaturas horrendas que você não vai querer encontrar. Acredite!
Talvez eu
queira! Pensou o garoto, apertando a
Lagrima da Morte entre seus dedos.
~~
- Entre! –
Gritou o Sultão após ouvir a batida na porta do seu quarto. A porta se abriu e
Asker entrou no quarto. Ao lado dele estava o irmão mais novo de Vlad, Radu.
- Seja bem
vindo garoto! – Disse o Sultão em um tom agradável.
Radu
adentrou o quarto e vislumbrou todo o lugar. Um grande cômodo com cortinas de
seda cara e moveis de marfim, o local era iluminado por dezenas de velas. Quero
ficar em um lugar assim. Pensou o pequeno.
- Espero
que esteja se sentindo bem confortável em seus aposentos, Radu. – Puxou assunto
Mehmed II.
- É bem
confortável. – Disse o garoto tímido. Usava um short velho e uma blusa grande
sem manga. O garoto era pequeno, chegava à cintura do soldado ao seu lado e
parecia ter um corpo frágil. Braços e pernas finas. Tudo que o Sultão amava.
- Fico
grato de saber que está feliz com minha hospitalidade. As coisas podem melhorar
ainda mais para você! – Mehmed olhou para o soldado e fez um gesto com a mão.
No mesmo instante o soldado saiu e fechou a porta. Radu olhou para trás e ficou
com medo.
- Não
precisa se preocupar. Vamos apenas negociar seu bem-estar em meus domínios
garoto. – Chamou a atenção do garoto, mantendo um longo sorriso no rosto.
- Si. Sim,
tudo bem. – Respondeu o pequeno. Era difícil viver agora, sem o irmão. Era
sempre ele que falava pelos dois. – E meu irmão, como está? – Perguntou,
voltando a olhar o enorme Sultão gordo.
- Aquele
bastardo está bem! E pode ficar melhor. Mas....
Radu não
entendeu, na verdade não tinha o que entender, ele não terminara de falar.
- Mas? –
- Mas
apenas se você for um bom convidado! – Respondeu o Sultão. Estendendo a mão ao
garoto. – Venha aqui e seja um bom menino. Deixe seu anfitrião feliz.
Como poderia? Pensou o
garoto.
- Vamos,
pegue minha mão! – Ordenou o Sultão. O garoto se aproximou do Sultão. A pequena
mão do garoto foi envolvida pela mão de Mehmed e o Sultão o puxou com cuidado.
- Co. Como posso
fazê-lo, senhor? – Disse Radu.
- Apenas
fique parado! Fique parado. – Disse o Sultão. Puxando o garoto até a cama e o
deitando na mesma.
- Morda o
colchão para não fazer barulho quando começar a sentir dor. Não quero que minha
senhora ouça seus gritinhos! – Ordenou o Sultão.
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