quarta-feira, 2 de julho de 2014

Espólio Sangrento IV

O4: Novo lar


A lágrima da morte.

- Todos esses dias que está aqui garoto – O velho negro de corpo esquio respirou e depois voltou a falar. – Nunca me disse por que está aqui.
O pequeno Vlad estava sentado ao lado do Velho, as costas apoiadas às paredes e as pernas dobradas.

- Acha que isso importa? Velho? – Perguntou Vlad, virando a cabeça para o senhor. Fixou os olhos nos olhos cegos do velho e imaginou que aconteceria o mesmo consigo quando chegasse a sua hora velhice.

- Você fica sentado ao meu lado todo dia e noite. Ficamos conversamos. Acredito que somos amigos, são somos? – Os olhos agora de Vlad percorreram por toda extensão do lugar. Era uma espécie de pátio gigante no subsolo do castelo. Todo o lugar era coberto por paredes e tetos. Às vezes, Vlad achava que aquele teto era o mesmo solo que sustentava todo o castelo. O local era iluminado por dezenas de tochas que ficavam fixas a paredes. Centenas de escravos, rebeldes e prisioneiros ficavam ali, jogados e sendo obrigados a brigarem por um pedaço de pão. Às vezes se matavam por uma taça de vinho.

- Amigos? Não acha que é uma palavra muito forte velho? – Ao perguntar, Vlad refletiu conseguiu mesmo. O que significaria a palavra amigo? Seu próprio pai o tinha vendido para o bem de sua família. Havia sacrificado seu filho para o bem estar de todos os outros. Seu próprio pai, seu sangue havia lhe abandonado. Então o que seria um amigo?

- Se é um garoto que não confia em ninguém. Realmente deve ser bem difícil ter um amigo. – Disse o velho. Naquele momento dois prisioneiros brancos passaram correndo na frente deles indo em direção de outro. Este que estava na frente segurava um pedaço de pão. Mas antes que pudessem pegá-lo ele já tinha comido todo o pão.

Vlad deixou um longo suspiro fugir dos lábios finos e vermelhos. Assim que chegou ali, pensou que seria comido por aqueles homens. Aos poucos foi observando todo o local. Era difícil saber onde ficar, onde ficaria mais protegido ou mais fácil de chamar atenção. Não demorou muito e viu o velho no canto do pátio cinza, sozinho e esquecido. Sentou-se ao lado dele e com o tempo foram conversando. Muitas vezes os prisioneiros mais velhos o ameaçaram, mas o respeito por aquele velho fizera com que eles se afastassem e desistissem dessa ideia. O velho IIKIN não tinha o porquê proteger o garoto, mas o fizera.

- Sou uma espécie de convidado do Sultão. – Murmurou o garoto.

- Grandes senhores não deixam seus convidados jogados com os escravos. – Respondeu o velho no mesmo momento.

- Meu pai me deu ao Sultão para mostrar sua fidelidade. – Vlad respirou forte, com raiva da sua própria família. Suas roupas fediam de mais. Fez uma careta e continuou. – Mas eu fiz al.. Algumas coisas que não agradaram Mehmed II.

- Que tipo de coisas?

- Coisas que ele não se importaria se eu fizesse com esses escravos. Por isso me jogou aqui.
O velho cego virou a cabeça para Vlad. Por que virar a cabeça seu velho? Não pode me ver. 

- Que tipo de coisas meu jovem? – Vlad observou o rosto do velho IIKIN. Tinha lábios grossos, pele enrugada e um nariz pequeno. Os olhos cegos davam um toque sobrenatural naquele semblante.

- Matei alguns animais. Não apenas matei, tirei suas patas, rabos. Eu gosto disso. Acho que ele ficou com medo de eu fazer isso com seus soldados.
O velho deu uma gargalhada que assustou Vlad. Com um largo sorriso no rosto ele respondeu.

- Seria bom se fizesse! Eu ficaria feliz por isso, garoto.

~~

- Alguma novidade sobre o pequeno Vlad? – Indagou o gordo Sultão sentado em sua poltrona no seu quarto. Usava apenas um longo manto de seda negra. O soldado a sua frente ajoelhou-se e pôs se a responder.

- Até agora não deu nenhuma problema Vossa Graça. – Respondeu o soldado de pele branca, barbas e cabelos ralos castanhos.  Este tinha um rosto bonito, lábios e nariz pequeno, contudo seu corpo era robusto.

- Talvez assim ele aprenda seu lugar. Ficar alguns dias com os escravos será bom para ele. – Respondeu o Sultão que em seguida abriu um pouco as pernas e colocou a mão por dentro do manto escuro. – E o garoto Radu?

- Irei trazê-lo assim que o senhor ordenar! – Respondeu o soldado.
Mehmed II deixou um sorriso malicioso nos lábios. Era realmente uma carranca gorda e feia. Olhou para a cama do quarto. Um grande colchão coberto por uma seda vermelha. - Traga-me aquele bostinha! Ele irá gostar de cavalgar um pouco! – O sultão mexeu a mão por dentro do manto escuro e o soldado virou o rosto.

- Ouse falar isso para a minha senhora, Asker. Que irá perder as bolas! – o Sultão ameaçou o soltando, fitando-o. – Vamos, traga aquele bostinha pra mim!

~~

- Tenho algo para lhe perguntar, Velho IIKIN! – Disse o pequeno Vlad levando a mão até o seu bolso. Segurou a pedra em formato de gota e tirou de seu bolso. – Sei que não pode mais ver. Mas quero saber se consegue reconhecer isto com o toque.

- Sim. Deus foi cruel comigo em minha velhice. Tirou aquilo que eu mais apreciava. Nunca mais poderei ver uma mulher de pernas abertas! – Respondeu o velho abrindo a mão.

- Mas ainda poderá sentir seu corpo, isso não é bom? – Continuou o garoto deixando a pedra cair na mão do velho. Rapidamente ela se fechou. A outra mão foi de encontro a o objeto e as pontas dos dedos os seguraram.

- Onde encontrou isso? Garoto? – Perguntou o velho IIkin se esquecendo das mulheres. As pontas dos dedos deslizavam sobre a estrutura, sentindo as runas esculpidas.
- Peguei depois de matar um Cannibal da montanha.

O velho virou a cabeça novamente para o garoto. Esse moleque matou um Cannibal da Montanha?

Você matou um Cannibal da Montanha garoto? Não pense que sou tolo de acreditar nisso! – O tom do velho foi um tanto que austero. Podia ser velho e cego, mas Vlad percebeu que não gostava de ser feito de idiota. Mas não estava. Tinha matado dois Cannibais da montanha.

- Sim, matei dois, não apenas um. – Respondeu com orgulho de si mesmo. Os Cannibais das montanhas eram conhecidos pelos Turcos por seu modo selvagem de lutar. Não tinham honra, se tivessem a oportunidade iriam arrancar um pedaço de carne do seu rosto caso pudesse deixar a boca perto o suficiente dele. Vlad explicou que em sua antiga morada, teve um tutor de armas mesmo sendo uma criança e o velho pareceu aceitar melhor a ideia.

- Não importa.. Infelizmente não posso olhar, mas se esta relíquia for o que estou pensando. Isto é a Lágrima da Morte!
O nome fez Vlad sentir um arrepio percorrer sua espinha. Lagrima da Morte. Não eram todos os dias que ouvia um nome tão macabro.

- Diz a lenda. – Continuou o velho Ikkin – Que este objeto foi feito por um grande bruxo após conseguir capturar e torturar a morte. Qualquer um que carregue essa relíquia terá grandes poderes místicos. Contudo a morte irá persegui-lo para puni-lo. Essa relíquia é uma vergonha para ela!

- Eu perseguir o Cannibal até ele parar de fugir. - Disse meio que para si mesmo, refletindo sobre a situação. – Mas... como que esse grande bruxo conseguiu capturar a morte? – Perguntou pequeno Vlad. E pela primeira vez IIkin viu que ele realmente era uma criança.

- É tão idiota ao ponto de acreditar nessa historia? – O velho procurou a mão do garoto e entregou o objeto. – De qualquer forma, tome e fique com isso. Agora me vai dizer que tem o livro da Canção dos Não-Mortos também?

- Canção dos Não-Mortos? – Perguntou pequeno Vlad, se interessando mais ainda no assunto.

- Não tem nenhum livro consigo certo? Hm.. Dizem que é o único livro escrito por aqueles que não estão mortos, mas também não estão vivos. Eu me lembro de outra lenda. Diziam que neste livro tinha uma magia. – O velho ficou em silencioso, talvez pensando no que seria melhor falar. – Uma maldição na verdade. Essa maldição transformava a pessoa em um Não-Morto. Mas um dos requisitos era a Lágrima Da Morte. – A voz do velho era baixa e sinistra. Não parecia acreditar no que dizia, mas mesmo assim temia.

- O que são esses Não-Mortos? – Perguntou o garoto curioso.

- Demônios das trevas. Criaturas horrendas que você não vai querer encontrar. Acredite!
Talvez eu queira! Pensou o garoto, apertando a Lagrima da Morte entre seus dedos.

~~
- Entre! – Gritou o Sultão após ouvir a batida na porta do seu quarto. A porta se abriu e Asker entrou no quarto. Ao lado dele estava o irmão mais novo de Vlad, Radu.

- Seja bem vindo garoto! – Disse o Sultão em um tom agradável.
Radu adentrou o quarto e vislumbrou todo o lugar. Um grande cômodo com cortinas de seda cara e moveis de marfim, o local era iluminado por dezenas de velas. Quero ficar em um lugar assim. Pensou o pequeno.

- Espero que esteja se sentindo bem confortável em seus aposentos, Radu. – Puxou assunto Mehmed II.

- É bem confortável. – Disse o garoto tímido. Usava um short velho e uma blusa grande sem manga. O garoto era pequeno, chegava à cintura do soldado ao seu lado e parecia ter um corpo frágil. Braços e pernas finas. Tudo que o Sultão amava.

- Fico grato de saber que está feliz com minha hospitalidade. As coisas podem melhorar ainda mais para você! – Mehmed olhou para o soldado e fez um gesto com a mão. No mesmo instante o soldado saiu e fechou a porta. Radu olhou para trás e ficou com medo.

- Não precisa se preocupar. Vamos apenas negociar seu bem-estar em meus domínios garoto. – Chamou a atenção do garoto, mantendo um longo sorriso no rosto.

- Si. Sim, tudo bem. – Respondeu o pequeno. Era difícil viver agora, sem o irmão. Era sempre ele que falava pelos dois. – E meu irmão, como está? – Perguntou, voltando a olhar o enorme Sultão gordo.

- Aquele bastardo está bem! E pode ficar melhor. Mas....
Radu não entendeu, na verdade não tinha o que entender, ele não terminara de falar.

- Mas? –

- Mas apenas se você for um bom convidado! – Respondeu o Sultão. Estendendo a mão ao garoto. – Venha aqui e seja um bom menino. Deixe seu anfitrião feliz.
Como poderia? Pensou o garoto.

- Vamos, pegue minha mão! – Ordenou o Sultão. O garoto se aproximou do Sultão. A pequena mão do garoto foi envolvida pela mão de Mehmed e o Sultão o puxou com cuidado.

- Co. Como posso fazê-lo, senhor? – Disse Radu.


- Apenas fique parado! Fique parado. – Disse o Sultão. Puxando o garoto até a cama e o deitando na mesma.

- Morda o colchão para não fazer barulho quando começar a sentir dor. Não quero que minha senhora ouça seus gritinhos! – Ordenou o Sultão.


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