quarta-feira, 9 de julho de 2014

Espólio Sangrento VI

Escolha  maldita 

A dúbia crescia em seu âmago a cada passo dado. O que eu faço? Pensou pequeno Vlad quando seu pé direito subiu no primeiro degrau. Um dos guardas mantinha-se a sua frente e o outro atrás do garoto. Estava, preocupado e pela primeira vez sentiu um gosto de medo crescer em seu interior. Não medo de morrer, não medo se ferir, mas partir e abandonar seu irmão. Ou leva-lo consigo para a fuga e fazer com que Radu morresse no caminho. Ele é mole, ele é fraco. Com certeza não vai conseguir fugir.

Vlad sentia-se seguro. Sabia que os guardas temiam a ele e talvez, nem seria necessário matar algum deles. A escadaria em formato de caracol era pequena e mal iluminada. Algumas tochas em uma altura segura para que algum escravo não a pegasse iluminavam o local, cingindo com uma sensação quente os poucos que ali caminhavam. Aquela sensação era refrescante e gostosa, fazia semanas que Vlad não tinha o calor do sol tocar sua pele pálida e naquele momento, viu como o calor e o fogo eram uma benção. Sorte deles, isto está alto demais, eu poderia queima-los vivos.

Se eu fugir agora, como será? Não estou decidido, mas preciso pensar, estou quase chegando à primeira porta. O local era tão pequeno que era impossível de duas pessoas andarem uma ao lado da outra, obrigando os três caminharem um atrás do outro. Vlad levou as mãos até os bolsos e tudo que encontrou fora a Lágrima da Morte e o pedaço de madeira. Vlad fixou os olhos enquanto subia as escadas no guarda a sua frente. O mesmo trajava uma armadura de prata deixando apenas seu pescoço, ombro e juntas do corpo vulneráveis.  Se eu atacar, tem que ser apenas um golpe. Seria impossível fazer aquela madeira atravessar a pele dele. Poderia usar a Lágrima da Morte, mas provavelmente iria perdê-la para sempre.  Se eu conseguir matar esse lixo da frente. E o segundo? Como vou me livrar dele? Deus.... O que eu faço?

Os olhos negros já podiam vislumbrar a primeira porta e foi quando sentiu seu coração bater ainda mais forte. O medo da indecisão ia aos poucos corroendo sua alma. As duas mãos seguraram com força os objetos em seus bolsos e ele suspirou. Passou pela primeira porta e pensou. Vou buscar esse molenga.. Se eu fugir não vou poder ir para casa sem meu irmão. Não vai adiantar nada. Agora, se eu fugir com meu irmão. Posso ajudar meu pai, ajudar Valáquia contra esses turcos nojentos.

Agora, mesmo se quisesse olhar para trás não iria conseguir olhar a porta. Ela estava distante e sentia-se um pouco triste por isso. Espero que valha a pena.Radu...Eu espero muito que valha a pena.

Após a primeira porta, Vlad e seus guardas já tinham feito quatro curvas na escadaria giratória quando olhou o final da mesma. A porta estava fechada e Vlad viu o soldado dianteiro parar, logo sentiu a mão pesada do outro guarda em seu ombro e entendeu o recado, parou e esperou. O guarda revestido de prata levou a mão direita até a cintura e tirou um molho de chave. É agora...Os olhos calculistas fixaram-se na chave, no meio daquelas dezenas de chaves, teria que gravar a imagem da chave que o levaria até a sua libertação. A chave da porta de baixo? Bem, para isso ele contaria com a sorte.

O soldado pegou a chave e em seguida levou a mão para a maçaneta, abrindo a porta e no mesmo instante o guarda de trás deu um leve empurrão em suas costas. Vlad seguiu o passo e começou a caminhar, agora estava diante de um enorme salão, atravessou a porta e pode enxergar seu irmão q quase vinte metros de distância. O local era uma espécie de altar, poucos metros dele havia dezenas de cadeiras de marfim, atrás de Radu um enorme altar. O chão era de uma madeira lisa e o teto era coberto por vários símbolos cristão.

Pequeno Vlad olhou para trás e viu quando um dos soldados fez um gestão com a mão, querendo dizer ‘’vamos, ande até seu irmão, é por isso que está aqui ‘’.

Vlad caminhou em direção de Radu e quando se aproximou mais sentiu um doce aroma vindo do irmão mais novo.

- Vlad...Irmão como você está? – Perguntou o mais novo um pouco assustado por ver o irmão mais velho naquele estão.

- Estou bem! – Respondeu de forma ríspida e seca. – Já você vejo que está MUITO BEM, que cheiro de mulherzinha é esse?

- É um perfume do Sultão.. – Radu sentiu-se envergonhado de responder aquilo. Pensou em dizer o que estava acontecendo, mas tinha dúvida se ele mataria ele mesmo ou o Sultão. – Seus cabelos...Estão todos sujos..E você... você fede irmão, como consegue falar que está bem?
- Temos princípios diferentes meu irmão. Cada vez mais eu percebo isso.. – Vlad lançou um olhar inquisidor e murmurou. – Vejo que o Sultão está cuidando muito bem de você, irmão.

Naquele momento Radu sentiu um arrepio tomar seu corpo. Falo ou não falo? Falo ou não falo? Mas antes do mais novo chegar a uma conclusão, Vlad continuou.

- Eu tenho um plano! – Sussurrou se aproximando do irmão. – Nós podemos fugir daqui!

Radu fitou seu irmão incrédulo. Como ele consegue pensar em algo assim?

- Vlad..Não podemos fugir daqui..

- Podemos Radu, podemos e vamos, agora. – Continuou o mais velho – No meio daquelas escadas reside a porta da nossa liberdade irmão. Podemos fugir dessa tirania e voltarmos para casa, para nosso Pai.

Radu abaixou o rosto olhando para o chão, mantendo um pouco de lado. Não tinha coragem de olhar nos olhos de seu irmão naquele momento. Não queria voltar para casa, na verdade, tinha se acostumado com aquele lugar.

- Voltarmos para casa? Mesmo se conseguirmos fugir daqui irmão, como vamos sobreviver, como vamos nos alimentar?

-Se você deixar de ser uma menina isso não será problema. Podemos comer qualquer coisa até chegar em casa. – Vlad fitava seu irmão atentamente, esperando sua resposta.

- Vlad, não consigo fazer isso. Não posso me arriscar. – Radu sentiu-se um verdadeiro covarde perante seu irmão, contudo não poderia arriscar perder sua comodidade, seus banquetes e banhos quentes por uma aventura que talvez terminaria na morte de ambos.

- NÃO PODE? – Pela primeira vez, Radu vislumbrou o olhar diabólico de seu irmão. – Eu me arrisquei a vir até aqui, te buscar. Eu poderia ter abandonado você...E você fala que não pode.

- Desculpe irmão...

Parecia que um monstro iria sair de dentro de Vlad e esmagar o pequeno Radu. Vlad sentiu a decepção tomar conta de si, sentiu-se arrependido, sentiu-se enojado. Não vou morrer aqui por causa de um frango como você. Não mesmo.
Vlad não respondeu mais, simplesmente fitou seu irmão e com um rápido movimento, bateu a palma da mão direita no peito do garoto, fazendo ele ajoelhar-se e ficar sem respirar.

- MEU IRMÃO..ELE TA MORRENDO, SOCORRO! – Gritou Vlad, fitando Radu com olhos frios, enquanto o mais novo o fitava assustado, com medo.

Os soldados correram em direção dos garotos e quando chegaram perto de Radu, se abaixaram para poder ajudar o garoto a se levantar e ver o que ele tinha. Vlad posicionou-se atrás deles e no meio de ambos. Orgulhoso do seu ato. Eu sou, o que tenho que ser, eu faço, o que tem que fazer.

Rapidamente levou as mãos nos bolsos; Na direita pegou a Lágrima da Morte e na esquerda o pedaço de madeira. Suas peles são fortes, mas não seus olhos.

Em um só movimento tirou os objetos dos bolsos e cravou nos olhos dos guardas, acertando os dois ao mesmo tempo. A sensação que sentiu quando os objetos cravaram-se nos orbes dos soldados fora de um prazer sem igual. Sentiu o sangue quente esguichar em seus dedos e aquilo era muito bom. Sentiu-se vivo, feliz depois de muito tempo.


Os soldados ajoelharam-se e gritaram de dor. Vlad não demorou muito e puxou o miolo de chave da cintura do soldado. Este tentou segurar seu braço, mas com a perna Vlad quebrou o braço do soldado. Sorriu novamente e correu em direção da porta, de sua liberdade.

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