As coisas aconteceram tão rápidas
que após alguns dias, seria impossível lembrar-se dos detalhes. A única coisa
que nunca iria esquecer era o calor daquele liquido rubro em suas mãos. O
sangue dos olhos furados dos soldados jorrou-se contra seus dedos e a sensação
pegajosa era agradável. Não apenas o sangue... Com certeza iria recordar também
dos berros angustiantes dos soldados. Eles devem estar sentindo muita
dor.... Com certeza, devem...Mas eu não me importo...Eu gosto....
Demorou menos de 1 minuto para
estar diante a porta e quase outro minuto para acertar a chave do segundo
andar. Manteve-se sobre controle. Concentrou-se ao ponto de não deixar as mãos
tremerem de nervoso, não poderia perder tempo. Tinha que sair dali e fugir,
salvar sua própria vida.
Que se dane esse afeminado...
A raiva do irmão fez com que ele
pouco se importasse se o soco em seu peito teria matado ou não. Com certeza não
e se arrependeu disso. Eu deveria ter matado aquele.....
Após abrir a porta do segundo
andar, Vlad se deparou com um enorme túnel nefasto. O ar era úmido e escuro.
Mas no final era fácil de ver uma luz. A luz no fim do túnel. Pensou
enquanto corria desesperadamente em direção à saída.
O túnel tinha uma aparência
escura, as paredes eram de um marrom escuro e chão ainda era de barro. Os dedos
do garoto tocavam a terra úmida e aquilo revigorava a sensação de liberdade.
Logo ele estava no final e encontrou-se diante uma enorme floresta. Ele
disse a verdade... O velho Iikin...Ele disse a verdade..
Vlad suspirou pensando no seu
velho amigo e olhou para trás. Naqueles instantes de emoção, deixou-se levar
por sentimentos e descobriu que teria criado um elo com aquele escravo. Graças
á ele eu estou livre. Vou fugir... Sentiu-se mais que grato. Sentiu-se
também em dívida... Ele iria fugir, iria conseguir ganhar sua liberdade,
contudo o que iria acontecer com o velho?
Naqueles segundos de ternura
deixou-se molhar os olhos. Sentiu as lagrimas querendo fugir do seu semblante,
mas a consciência fria e manipuladora voltaram a cantar. Sem tempo para
isso. Tenho que fugir...
Apertou os olhos, suspirando e
voltando a olhar para frente. Diante do garoto havia apenas árvores e verde.
Não havia trilhas, caminhos. Qualquer coisa que pudesse indicar uma direção.
Vlad seguiu em frente, não haveria muita diferença. Apenas seguiu em frente.
Andou pelo que pareciam ser
horas, procurando qualquer coisa que lhe pudesse indicar algo. Procurava algum
barulho além do cantar dos pássaros. Algum sinal de trilha ou vida humana. Mas
tudo que conseguia encontrar eram apenas mais árvores e galhos quebrados. Após
um tempo que também pareciam ter sido horas. Ouviu um barulho distante, algo
como. Água corrente... Lago...Por aqui tem algum lago, riacho...Alguma
coisa...
Aquilo não era nada, mas era o
suficiente para dar um pouco de esperança. Seguia ao norte, aproximando-se do
som e não demorou em encontrar uma cachoeira. O Sol estava quase se pondo,
poucas linhas de luz conseguiam atravessar os inúmeros galhos, mas o tempo
ainda estava quente e ele fedia... Como estava fedendo..Sabia disso.
Tirou a blusa e esqueceu-se de
tudo. Deu-se ao luxo de por algumas horas de se esquecer de seus algozes. Com
certeza estariam procurando por ele, caçando-o. Felizmente até aquele exato
momento não havia sinais de ninguém, então iria aproveitar e relaxar o corpo.
Para quando precisasse, ele voltasse a correr.
Deixou a blusa suada em cima de
uma pedra na margem da cachoeira. Arrepiaram-se quando a água cristalina e
gélida envolveu seus calcanhares. Entrou na água de calça. A mesma estava suja
de barro e iria aproveitar para lavá-la. Iria deixar em algum lugar para secar
e no outro dia de manhã iria lavar a blusa. Sabia que não era boa ideia dormir
no frio sem estar cobrindo o peito. O velho Iikin também ensinara isso á ele.
Lembre-se. Nunca fique sem roupa
nas madrugadas..Não vai lhe adiantar de nada fugir e morrer de alguma doença..
Lembre-se disso pequeno Vlad.
A água estava sob sua cintura,
era limpa e agradável. Abaixou a cabeça e mergulhou os cabelos negros e
compridos contra a água, levando também as mãos até a cabeça e tirando toda a
sujeira do cabelo que chegava até os ombros. Passou também a mão pelo corpo,
esfregando as unhas contra a pele. Queria tirar o máximo possível daquele mau
odor. Sabia que era impossível sair de lá cheirando bem. Não havia nada para
passar no corpo. Apenas água e as unhas.
Enquanto deixava sua mente
relaxada e seu corpo descansado sobre aquela água limpa. Notou-se fitando
seriamente a cachoeira e percebeu que atrás de onde a água caia havia um
caminho.
Encontrei onde irei ficar. Pensou o
pequeno, sorrindo e nadando em direção do buraco. Seu corpo atravessou a
torrente e a pressão quase o derrubou. Avançou com força e deixou-se cair de
joelhos, rindo. Como uma criança que era. Na maioria das vezes se esquecia
disso.
Ajoelhado fitou a caverna com o
teto em abóboda, a mesma tinha menos de cinco metros de altura e de extensão.
Levantou-se suavemente, observando com um olhar curioso e cauteloso o objeto no
final da caverna. Que diabos são isso?
Pensou enquanto observava com
atenção objeto com uma moldura de um livro. Lentamente foi aproximando-se do
mesmo. Infelizmente a luz do sol estava fraca e os raios solares quase não
adentravam a caverna.
Logo aqui não haverá um raio de
luz...
Continuou caminhando em direção
do objeto e logo que chegou ao seu alcance, os dedos finos envolverem o objeto
e percebeu que estava segurando um livro negro. Voltou para onde os raios
solares eram presentes e abriu o livro de quase 30 centímetros de tamanho e
largura.
Folheou as paginas e logo
percebeu que o mesmo estava escrito em alguma língua desconhecida. Não entendia
seus símbolos e escrita. A única coisa que podia visualizar daquele livro eram
as imagens. Imagens de coisas que pareciam rituais. Homens e mulheres em
posições estranhas, criaturas demoníacas apareciam várias vezes. Aquilo chamou
sua atenção, iria levar aquele livro consigo. Depois de um tempo iria descobrir
uma forma de traduzi-lo.
Que porra é essa?
Se não fosse tão frio teria
soltado o livro no chão. Seu corpo todo estremeceu e seu coração acelerou
quando ele a imagem que muito lembrava a Lágrima da Morte.
Levou a mão direita até o bolso
enquanto segurava o livro com a esquerda e segurou com força a pedra negra. O
susto não fora apenas por ver aquela imagem, mas por ter se esquecido da pedra.
Seu idiota.... E se ela tivesse
caído, flutuado enquanto tava nadando...IDIOTA..
Vlad sentou no chão, deixando os
joelhos contra o solo duro e pousou o objeto na outra pagina do livro. A imagem
tinha quase o tamanho real da Lagrima da Morte e aquilo o excitou.
O livro dos Não Mortos. Esse deve
ser o livro dos não mortos...
Analisou a imagem e sorriu. A
vida poderia ser um saco, mas alguns desígnios do seu destino estava o
surpreendo. Seria coincidência ele encontrar a pedra, o velho e depois o
livro... Nos momentos em que menos esperava?
Não sabia... Também não tinha
certeza se aquele era o livro dos mortos. Mas tudo também não poderia ser
apenas coincidência.
Perdido em seus devaneios,
deitado sobre aquele solo duro perdeu noção de sua consciência e dormiu. Era
tudo escuro, silêncio e escuridão.
- Vlad? – Repentinamente encontrou-se
diante aquela mesma floresta, mas era noite e os céus não havia estrelas.
- Vlad? Venha... Você quer? Não
quer?
Olhou para todos os lados,
sentia-se entorpecido. A visão era turva, não estava sentindo o tato, parecia
estar flutuando e aquela voz meiga e gentil parecia vir de sua mente.
- Vlad? Você quer?
- O que eu quero? – Perguntou
Vlad, mas sua voz não ecoou, apenas ouviu em sua mente.
- Você não quer o poder? Não
deseja... – A voz vagava por sua mente como um sussurro nefasto.
Emergindo da escuridão, Vlad
fitou três criaturas aproximando-se lentamente. Seus olhos eram rubros e
pareciam lobos negros.
- Não deseja ser um... Não morto?
Vlad sentiu-se instigado, atraído
pelo poder.
- Onde ele está? Onde esse
desgraçado se enfiou?
Vlad acordou ouvindo os latidos
de longe. Mesmo sonolento, já sabia o que havia acontecido.
Eles me encontraram... Eles me
encontraram...
- Os cachorros perderam o sinal
dele aqui Senhor...
Ouviu a voz grossa e rapidamente
percebeu também que por enquanto, eles ainda não tinham prestado atenção na
cachoeira.
- Essa não era a blusa dele? –
Gritou outro homem pela margem.
BURRO IDIOTA!
Pensou o garoto enquanto sentia
vontade de arrancar os próprios olhos. Como eu fui tão estúpido... Tão
burro..
Vlad concentrou-se e pensou. Como
iria sair dali? Mesmo de dentro da caverna era fácil notar que o dia já havia
nascido. Provavelmente eram quase seis da manhã e eles deixaram para caçar o
garoto de noite, quando ele estivesse dormindo. Graças a Deus eu dormir
aqui.
Deus... Era a entidade que seu
pai tanto falava e venerava. Um Deus superior a todos, divino e que milhares de
homens travavam batalhas sangrentas em nome dele. De Deus..
Atento aos homens do lado de
fora, engatinhou até o canto escuro da caverna, deixando também o livro. Os
homens andaram de um lado para o outro. Talvez a água tivesse limpado seu corpo
e atrapalhando os animais, pois eles pareciam latir sem direção definida.
Vlad sabia que em sua primeira
tentativa de fuga, não poderia levar consigo o livro. Iria deixá-lo exatamente
no mesmo lugar. Iria voltar depois para buscá-lo. Mas agora iria deixá-lo no
mesmo lugar que o encontrará.
O silêncio voltou a reinar, Vlad
esperou mais alguns minutos e decidiu ver se estava livre, estava salvo de seus
algozes. Descobriu depois que fora seu maior erro.
Confiante. Deixou a caverna e
nadou pela cachoeira até a margem. Sua blusa não estava mais lá. Com certeza
não estaria. Até a minha blusa...Eles precisam de algo para mostrar à
Mehmed...
Respirou fundo, aliviado e ouviu
um barulho do mato. Seus olhos se arregalaram e seu coração disparou. Saindo da
moita a alguns metros saíram três cachorros brancos e enormes. Os mesmos
instintivamente mostraram seus caninos afiados e latiram. Atrás deles, meia
dúzia de soldados e Vlad pensou: Não tenho tempo... Não posso
falar...Apenas devo correr...
Sem pensar duas vezes virou as
costas e correu, correu sem olhar para trás, sem verificar quem tinha ido ou
não atrás dele. Correu por sua vida.
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